domingo, 16 de dezembro de 2007

Belo Monte

Depois do Leilão da usina de Santo Antônio, no Madeira, é bom dar uma olhada em como são feitos os relatórios de análise para estes empreendimentos. O texto já tem quase dois anos, mas é bom ler. E o filtro é fundamental, sempre.
"São Paulo, sábado, 27 de maio de 2006

Usina no Xingu dá prejuízo, diz estudo
Análise de custo-benefício aponta que polêmica hidrelétrica de Belo Monte traz rombo de US$ 3,6 bi; governo contestaEletronorte nega que o projeto seja crise planejada, como acusa pesquisador, e diz que ligação com sistema nacional viabiliza a obra
MARCELO LEITE COLUNISTA DA FOLHA
O espírito de Cararaô volta a assombrar o rio Xingu, no Pará, agora com o nome de Belo Monte. A construção da hidrelétrica pela estatal Eletronorte é dada como certa, no clima desenvolvimentista do governo, mas uma análise independente de custo-benefício concluiu que ela é inviável: US$ 3,6 bilhões inviável, para ser preciso.O estudo de economia ambiental foi lançado numa reunião em Brasília no último dia 18 pela organização não-governamental Conservação Estratégica, braço brasileiro da americana Conservation Strategy Fund (CSF). Seus autores são Wilson Cabral de Sousa Júnior (Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA), John Reid (CSF) e Neidja Cristine Silvestre Leitão (ITA).Quando ainda era Cararaô, no início da década de 1980, o projeto previa a inundação de 1.160 km2 (depois, 1.225 km2) para gerar 8.381 megawatts (MW) de energia. Diante das reações contra prováveis danos ambientais, sobretudo de nações indígenas da região, o projeto foi adiado e reformulado. Em 2002, a Eletronorte anunciou que seriam inundados só 440 km2, para gerar 11.181 MW.Os US$ 3,6 bilhões de prejuízo ao longo de 50 anos, em valores atuais, foram obtidos apenas no terceiro dos três cenários de análise desenvolvidos pelo grupo. Nos dois primeiros, Belo Monte teria um saldo líquido positivo da ordem de US$ 1,4 bilhão a US$ 1,6 bilhão, tornando o empreendimento viável -como apregoa a Eletronorte. A diferença, segundo os autores, decorre do emprego de dados e estimativas irreais nos primeiros casos, como muitas vezes ocorre no setor elétrico brasileiro.O primeiro cenário empregou a metodologia tradicional de simulação do setor, em que os custos projetados do empreendimento são confrontados com os benefícios (valor da energia produzida). No segundo, foram incluídas na conta as chamadas "externalidades", impactos sociais e ambientais cujo valor normalmente não é computado. Coisas como perdas na pesca, na agropecuária, na qualidade da água da bacia hidrográfica e inundação de florestas. A diferença entre um e outro foi considerada pequena: US$ 200 milhões.
Energia firme
No terceiro cenário, o grupo usou uma metodologia diferente, o modelo HydroSim, desenvolvido na Unicamp. Foi com ele que surgiu a divergência crucial, nas estimativas sobre a "energia firme" que Belo Monte gerará. Os 11.181 MW da usina correspondem apenas à capacidade instalada, um nível que só seria alcançado em três meses do ano. No restante, ela produziria uma fração disso -garantidamente, 4.670 MW.Mesmo este valor se torna otimista, de acordo com o relatório, quando se emprega o modelo HydroSim. Neste caso, a energia firme cai para 1.172 MW, em razão da grande variação nas vazões naturais da bacia. Isso basta para mudar o saldo do empreendimento do azul para o vermelho.O grupo gerou então milhares de situações, usando projeções consideradas mais realistas, como a tendência de obras hidrelétricas saírem mais caras (sobrepreço médio de 30%, no caso amazônico) e atrasarem. No pior dos resultados, Belo Monte tem uma probabilidade de meros 2,3% de ser rentável. No melhor, 39%. Dito de outro modo: mais de 60% de chance de dar prejuízo, que poderia chegar a US$ 3,6 bilhões.
"Crise planejada"
Para um empreendimento que vai desalojar 3.200 famílias na região de Altamira, é de estranhar que tenha sido tomada a decisão de ir em frente com ele. Mas o grupo do CSF levanta uma outra possibilidade: que a inviabilidade de Belo Monte seja de fato uma "crise planejada". Construída a usina, sua ineficiência poderia ser usada para justificar a construção de outras barragens no Xingu. A Eletronorte nega a afirmação (leia texto à direita)."As projeções evidenciadas no nosso estudo apontam que o Complexo Hidrelétrico Belo Monte, como projeto independente, não é economicamente viável e provavelmente seria apenas o primeiro barramento no rio Xingu"(grifo do blogger), afirmou Wilson Cabral, do ITA. Em vista estaria a usina de Altamira, que em sua encarnação da década de 1980, quando se chamava Babaquara, previa o alagamento de mais de 6.000 km2 -o equivalente a quatro municípios como São Paulo- para gerar 6.274 MW.O pesquisador do ITA deplorou também a falta de transparência no setor elétrico brasileiro. "Tivemos dificuldade para acessar as informações", reclama. "Eles nunca haviam me procurado", retruca Luiz Fernando Rufato, gerente de empreendimentos da Eletronorte.

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ONG usa dado velho, diz estatal
DA REDAÇÃO
O gerente de Coordenação de Empreendimentos da Eletronorte, Luiz Fernando Rufato, diz que o argumento de Wilson Sousa Júnior de que Belo Monte é uma crise planejada para forçar a instalação de outras usinas rio acima no Xingu é "mentira", e que os dados existentes hoje sobre outros aproveitamentos hidrelétricos no rio, que a nova análise utilizou, são "caducos"."Não existe nenhum inventário do potencial hidrelétrico do rio Xingu", afirmou Rufato. Segundo ele, os estudos anteriores foram descartados pela Eletrobrás porque não levavam em conta impactos sobre as terras indígenas da região, e um novo inventário ainda não foi feito porque os estudos sobre Belo Monte foram interrompidos pelo Ministério Público em 2001.Rufato contesta, ainda, a metodologia usada pelo grupo do CSF. Segundo ele, o estudo foi feito considerando um ano de vazão anormalmente baixa do Xingu. "Você precisa pegar a média dos últimos 60 anos", disse.Sobre a viabilidade econômica da hidrelétrica, Rufato diz que os engenheiros da Eletronorte "não são idiotas" a ponto de não levar em conta o período em que a usina ficará parada em razão da baixa do rio. "Belo Monte só é viável se for interligado ao sistema elétrico nacional. E o sistema de transmissão é parte dos estudos de viabilidade da usina", afirmou. "Belo Monte é barata."(CLAUDIO ANGELO)"

2 comentários:

morenocris disse...

Feliz Natal e 2008 maravilhoso, Alex!

Beijos, Cris.

Alex Lacerda disse...

Para vc também, Cris e grande beijo em todos os leitores deste espaço.